POR LUÍS DA CÂMARA CASCUDO
Se Vossa Senhoria estiver na Catedral, corredor à direita, verá no
extremo, meio inutilizada pela subida do escadão, uma lápide de mármore.
Vossa Senhoria não mais compreenderá o epitáfio, cortado pelo bordo
da escada. Quem ali ficou presente nos ossos do esqueleto, era uma figura
respeitável no velho Natal, homem acatado, formado em Direito pela Universidade
da Sorbone em Paris, Deputado, professor, jornalista, político, grande
advogado.
Apesar desses títulos, quem defendeu os direitos possessórios, não
teve direito à integridade da lápide funerária. Está esquecido. O esquecimento
é a duplicata da Morte.
Hermógenes Joaquim Barbosa Tinoco nasceu em Natal a 19 de abril de
1839.
Vinte anos depois, feito o curso local, sucedeu um acontecimento
curioso na Província. O Presidente Antônio Marcelino Nunes Gonçalves sancionou
a lei nº 378, de 16 de agosto de 1858, autorizando a despesa anual de um conto
e duzentos mil reis fortes, para dois rapazes de Natal estudarem Engenharia
Civil numa Universidade européia. O curso seria de quatro anos, prorrogáveis,
uma ajuda de custo para os gastos da viagem e, depois de diplomados, eram
obrigados a servir no Rio Grande do Norte durante oito anos, ganhando cem mil
reis por mês.
Essa cláusula de servir na Província, precaução original e lógica,
nunca mais apareceu nas posteriores leis de auxílios aos estudantes que,
formados, ficam servindo aos seus interesses bem distantes da província que os
amamentou.
de março de 1859. Fixaram-se em Paris e, em vez de Engenharia
Civil, escolheram Direito na Faculté de Droit cujo doyen era o sábio
Charles-Auguste Pellat, o comentador das Institutas de Galus.
Hermógenes cursou o licenceato, prestando exame público a 24 de
dezembro de 1863, às três horas da tarde, perguntado e reperguntado pelos
professores Valette, Rataud, Gide e o ilustre Gabriel Frederico ColmtDaage,
autoridade máxima na processualistica francesa. A tese do brasileiro versou
sobre três pontos. Uma parte em latim sobre o edito Carboniano; outra estudando
Direito Civil, Código Nepoleónico, artigos 319-330, Des preuves de la filiation
des enfant légitimes, e uma última, processo, De la formation de Ia rédaction
et de Ia signification des jugements. Foi unanimemente aprovado
Em 1864 está Hermógenes Tinoco em Natal, falando francês, citando
leis, contando histórias e sendo olhado como raridade excepcional.
Nesse tempo fora da política não havia salvação. Hermógenes aderiu
ao Partido Liberal sendo Deputado Provincial nos biênios 1864-65, 66-67, 68-69.
Para termos uma idéia de sua importância basta lembrar que ele era o Secretário
do diretório do Partido Liberal, em novembro de 1868, presidido pelo onipotente
bacharel Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti.
Bacharel, Deputado, político, são sinônimos brasileiros de
jornalismo. Hermógenes escreveu muito nos jornais do seu Partido, O Liberal do
Norte e na segunda encarnação desse, O Liberal, até 1883.
Desde 17 de janeiro de 1873 ensinava geometria no Atheneu e,
depois, na República, francês. Foi Procurador Fiscal da Tesouraria da Fazenda.
Era um dos primeiros advogados de sua Província. O primeiro no cível.
Republicano histórico, compareceu a reunião de 27 de janeiro de 1889 assinando
a ata da fundação do Partido Republicano do Rio Grande do Norte.
Com o advento da República Hermógenes foi esquecido depressa. Pedra
Velho nem sequer o convidou para a primeira organização secretarial em novembro
de 1889. Hermógenes, adoentado, respondeu a 12 de janeiro de 1890 publicando
“manifesto” em que rompia com Pedro Velho. Em março desse 1890 fundou o Centro
Republicano 15 de Novembro, reduto para onde convergiam os oposicionistas e
apresentou chapa completa para as eleições de 15 de setembro à Constituinte
Federal. Pedro Velho derrotou-os facilmente, aliado a José Bernardo, e aos
remanescentes do Partido Conservador do Grupo da Botica.
Depois fez as pazes com Hermógenes quando depois Miguel Castro e
fazia a chapa para a Constituinte Estadual, a Constituinte de Pedro Velho, em
1892. Hermógenes foi Deputado à Constituinte e Congresso Legislativo a 31 de
janeiro de 1892 Vice-Presidente, assembléia que elegeu Pedro Velho Governador
do Estado.
Depois desaparece politicamente Hermógenes que nunca se ligou
realmente com o seu vitorioso correligionário.
Professor emérito, nunca faltou a uma aula no Atheneu o que devia
ter sido um elemento de impopularidade entre os estudantes. Era homem
respeitado, com um halo de simpatia carinhosa.
Faleceu de uma apoplexia a 26 de julho de 1900 na Rua da Palha,
hoje Vigário Bartolomeu
E esse Hermógenes Joaquim Barbosa Tinoco cujo túmulo na Catedral
guarda os ossos e esconde o nome...
Fonte: CÃMARA CASCUDO, Luís da. Uma História da Assembléia
Legislativa do Rio Grande do Norte. Natal-RN, Fundação José Augusto, 1972.
(págs. 361-363)
FONTE – FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO
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